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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Mottainai


A primeira vez que ouvi esta expressão foi numa pizzaria em Milão, anos atrás. Eu estava triste por não conseguir comer aquele último pedaço da pizza carcioffi, e lamentei. Ao meu lado estava um amigo de origem japonesa que me disse: “Na cultura nipônica há uma expressão para este seu sentimento - é Mottainai”. As explicações que vieram a seguir me deixaram encantada. Anotei a palavra num guardanapo e levei o último pedaço da pizza para o hotel.

Quantas vezes lamentamos as sobras de alimento que vão para o lixo, o desperdício, o consumo desnecessário ou exagerado de produtos, recursos e energia? Isto é Mottainai. 

Mottainai é uma expressão japonesa que denota a atitude de não desperdiçarmos qualquer tipo de produto, recurso físico ou humano e acima de não despediçarmos nossas vidas. Não há uma tradução exata para outras línguas: “Mottai” significa a essência ou real valor de alguma coisa e o negativo “nai” significa “não”.

Algumas definições para Mottainai:

"Mottainai é uma forma de dizer obrigado a alguém que te ajudou"
"Mottainai é o sentimento de saudade de coisas que foram perdidas"

"Mottainai é uma pequena bondade que por vezes perde para o Mendokusai (tarefas chatas)"

"Uma mentalidade de apreciar todas as coisas deste mundo e utilizá-las sem desperdício."
Japan Junior Chamber (Global Mottainai Movement)

"Ela tem significado amplo. Ao mesmo tempo em que expressa um profundo agradecimento pela vida e por tudo o que se tem, significa também não ao desperdício e a valorização dos recursos. Mottainai significa, então, uma maneira mais humana de cuidar e de se relacionar com o planeta e com a vida. Uma filosofia que norteia atitudes vitoriosas de milhares de pessoas no mundo todo."
Chieko Aoki (Empresária da Blue Tree Hotels)

"Certas palavras japonesas não têm tradução em português. Por mais que nos esforcemos, o máximo que conseguimos é fazer comparações, dando um sentido a elas. Mottainai é uma dessas palavras, mas com profundo significado. Tudo o que poderia ser poupado ou preservado - e por qualquer razão deixa de ser - é Mottainai."

"Mottainai é um modo de vida, uma atitude consciente de cuidado com tudo que nos cerca. 
Reduzir, Reutilizar, Reciclar + Respeitar. Este é o 3R+R que conceitua o Mottainai."
Hideaki Iijima (Empresário do Soho Hair International)

"Mottainai! A expressão da língua japonesa pode ser interpretada como “que desperdício!”. 
Literalmente, pode ser compreendida como “faltando com a dignidade do objeto”, ou seja, parte do princípio de que se uma pessoa não é capaz de aproveitar ao máximo o uso de algo, não deveria nem mesmo possuí-lo, pois simplesmente não merece o direito ético ao material. Trata-se de uma expressão penosa, de tristeza, que denota a negação do vínculo entre todas as coisas." (Maria Clara Takaki, pesquisadora do Ideia Sustentável)

Mottainai, enfim,  é um caminho seguro para o design do futuro.

Leiam mais sobre o Mottainai aqui. 

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Este artigo foi publicado originalmente em 18 de julho 2010.


sábado, 22 de junho de 2013

Para quê criar produtos?

Caros leitores do Falando

Andei meio sumida por aqui devido à falta de tempo com muitos projetos e viagens, até receber uma nova convocação do Dan Nishiwaki para postar algo. Muito bem: como meu artigo 'Designer X Projetista' continua no topo da lista Top 10 deste blog e rendeu muitas discussões (e comentários totalmente desfocados do assunto original), decidi voltar às polêmicas que adoro.


Mas antes de escrever algo novo quero contribuir com a discussão do texto 'Consumismo, obsolescência, design e o mito da sustentabilidade', do colega Rafael Morgan. Os questionamentos a respeito da ética e da responsabilidade do designer na criação de novos produtos são legítimos e ocorrem desde o nascimento da 'sociedade de consumo'. A cada período histórico a sociedade tem novos desafios a cumprir rumo à sobrevivência do planeta e das gerações futuras. Houve períodos em que a humanidade se mobilizou para registrar sua história, para conter doenças, para produzir ou acabar com as guerras. Hoje vemos nosso planeta ameaçado, e portanto a pauta da sociedade contemporânea é preservar recursos. Ponto final.


Na minha humilde opinião (e do alto dos meus 30 anos de carreira como designer), essa discussão toda sobre o consumo nocivo é bobagem porque cada um de nós tem seus valores, desejos e necessidades (principalmente aqueles que agora participam de uma economia emergente e podem realizar seus sonhos de conforto e status). O designer não tem a responsabilidade de catequizar a sociedade, impondo padrões de consumo. O papel do designer é contribuir para que a roda da economia gire de forma eficiente, criando produtos sintonizados com seu tempo e, como a questão ambiental é importante, que seja contemplada em seus projetos. 


Para o colega Artur, que perguntou pra que criar? porque ser designer, se já existem cadeiras, mesas, tudo? eu respondo: 

1. Porque vivemos num mundo material (às vezes materialista), e nos acostumamos com a funcionalidade e tecnologia dos objetos para facilitar nossas vidas. Aqui entra o trabalho do designer.


2. Porque precisamos de beleza para tornar nossas vidas suportáveis e prazerosas (até os Shakers, que produziam móveis e ferramentas para seu próprio uso baseados nos preceitos da simplicidade, sem elementos supérfluos ou decorativos, buscaram a beleza através da perfeição, pureza, ordem, durabilidade, funcionalidade e utilidade). Aqui entra o trabalho de designer.


3. Porque vivemos neste mundo desenhado a partir da Revolução Comercial, onde as sociedades se desenvolvem através da compra e venda de produtos. Aqui entra o trabalho de designer.


Abaixo reproduzo um texto que escrevi em 2008, mas que continua atual:


Uma designer em crise


Ao longo da minha vida tenho buscado, paralelamente, desenvolver uma carreira bem sucedida e viver com pouco. Tendo escolhido o Design como forma de expressão e meio de vida, uma carreira bem sucedida significa criar produtos que despertem no consumidor o desejo de possuí-los. E viver com pouco significa evitar o desperdício e exercitar a simplicidade.


Então, não é um enorme contra-senso atuar como Designer e cultivar o desapego? Durante anos me senti confusa com esta questão. Afinal, minha função na sociedade é estimular o consumo e até criar necessidades inexistentes.


Gandhi disse: “Precisamos SER a mudança que queremos VER no mundo”. 

E SER é tão diferente das seduções trazidas pelo TER!

Numa visão mais pessimista, muitos enxergam apenas o lado nocivo da frenética busca por novidades. E neste cenário o designer assume o papel de vilão ao promover a febre de consumo que move mas destrói o planeta. Mas e a busca da beleza, do prazer e do conforto, onde fica?


Minha redenção começou quando descobri que, como designer ou consumidora, é possível “ser coerente”. Mais do que ser ecológica ou ser sustentável (não gosto de palavras da moda), ser coerente é reduzir o consumo, reciclar, reutilizar, reaproveitar, redesenhar... Infelizmente o mundo à nossa volta não é nada coerente. As sociedades conhecem o problema da emissão de gases poluentes, mas nos grandes centros urbanos milhares de pessoas mantêm um segundo veículo para o “dia do rodízio”. Todos conhecem a importância de economizar água, mas quando se trata de lavar o carro na calçada a resposta é “tô pagaaaaando...” E há também os consumidores “responsáveis” que abarrotam o armário com mimos ambientalmente corretos a fim de redimir sua consciência consumista.


O design de produtos tem a função de proporcionar conforto e comodidade, embora quase nunca questionemos profundamente seu impacto para o ambiente e a sociedade. Então, é função do designer questionar o impacto - negativo e positivo - gerado pelo produto que está projetando.


A partir da Revolução Industrial (que nos conduziu à idéia de que a beleza de um objeto depende de sua utilidade e eficiência) a relação homem/objeto vem mudando constantemente. Inúmeros produtos consagrados pelo tempo foram adaptados para finalidades que seus criadores jamais imaginaram, enquanto outros foram reinventados em novos materiais e tecnologias não disponíveis na época de sua criação. A obsolescência embutida em quase todos os produtos e a agressividade de alguns processos produtivos são fatores ainda ignorados e por isso mesmo devem estar na pauta de discussões de toda a sociedade cada vez mais ameaçada.


Mas o chamado “consumo consciente” vem alterando o conceito de beleza dos bens duráveis, que atualmente devem garantir um bom desempenho funcional, ser amigáveis, estar alinhados com o estilo de vida do público-alvo e ainda garantir a sustentabilidade econômica, ambiental e social.


Dizia um professor meu nos tempos de faculdade: “quanto melhor designer você for, menos desenhará”. É claro que demorei um pouco para entender e hoje concordo plenamente. Quando fica preso somente ao ato de desenhar, o designer deixa de pensar, planejar. Com o amadurecimento de nossa atividade no Brasil veremos designers cada vez mais engajados na produção de objetos inteligentes, comprometidos com o desenvolvimento sustentável e livres das crises de consciência.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A que Ponto chegamos?

Saudações a todas e todos!

Estou inaugurando meus textos por aqui. O Daniel Nishiwaki, quando me convidou para compor umas frases neste blog, disse-me que este será um gramado livre para escrevinhadores como eu darem os seus pitacos e provocadas aos desainers. Quando escutei a palavra provocadas, me animei. Não que acho provocar a melhor forma de se fazer entender. Mas o chacoalhar que uma boa provocada pode gerar, me pareceu a medida certa para tentar tirar os desaigners de certa inércia crítica que acredito acometer a categoria.

Esse primeiro apanhado de palavras está um pouco maior que o habitual do nosso blog. Peço assim um pouco de paciência para encararmos essa tarefa.

Gostaria de trazer como 1ª reflexão, a impressão de que nós desaigners não estamos utilizando todo o nosso potencial crítico. Talvez seja a hora de rompermos certo acordo tácito de só nos “metemos a besta” de opinar sobre a sociedade, naquilo que acreditamos estar ligado diretamente ao conhecimento correlato à profissão?

Estou cutucando logo de entrada e me arriscando a ser caracterizado como um escrevinhador ranheta,  porque acredito que nós, desaigners  podemos emitir opinião sobre tudo aquilo que nos cerca e, portanto, podemos falar também sobre a nossa cidade. É isso. O que eu quero com os meus textos aqui é procurar investigar e pousar um olhar de desaigner neste povoado conturbado e carregado de gangorras de “Amor-e-ódio” chamado São Paulo. Esta cidade de onde comecei no mundo, e onde até o momento estou,  que entre uma paisagem mais dura e doída, carrega junto seus centímetros de beleza.
E quais serão essas tais temáticas urbanoides pulsantes e prontas para nos esbaldarmos em análises?

Para dar vazão a essa torrente propositiva, gostaria de começar refletindo sobre os novos abrigos de ônibus de São Paulo.

Recentemente pudemos, aos pouco-devagar-e-sempre, perceber que os pontos de ônibus da cidade estão mudando. Deram agora de chamar nossos queridos pontos de ônibus de abrigos, embora vamos descobrir que cumprir com a etimologia dessa palavra, não será uma  das “prática desse novo nome.

Desde abril deste ano, a empresa Otima, de capital misto nacional-estrangeiro, ganhou um processo de concorrência para substituir os pontos de ônibus de São Paulo por novos abrigos. Um dos benefícios que essa empresa terá nesse processo, é controlar a concessão dos anúncios existentes nesses espaços.

Dessa maneira, a lei Cidade Limpa encontrou uma brecha, ou criou uma, para viabilizar aos pontos de ônibus (assim como os já emancipados relógios de rua) terem como uma das suas razões sociais, divulgar publicidade. A empresa, segundo apurou o jornal O Estado de São Paulo, em matéria publicada no dia 15/04/2013 e em outra no dia 02/06/2013, tem como compromisso, substituir 4 novos pontos de ônibus por dia e um total de 1800 até o final do ano.  Embora a minha análise como desaigner/usuário do transporte público ainda não tenha chegado aos méritos do projeto, de cara percebo a inversão de valores que a concepção desse modelo nos traz como premissa.

Isso nos leva a crer que a gestão anterior da prefeitura (sim, nós desaigners precisamos criar a cultura de dar nomes aos bois) elegeu como uma das prioridades do memorial descritivo do projeto restabelecer uma parceria publico-privada via o modelo de uso da publicidade como mecanismo de geração de renda e lucro à empresa mantenedora do espaço. Qual o problema de conciliar publicidade e um ponto de ônibus? E de encontrar um ponto de equilíbrio entre o seu uso propriamente dito e esse outro uso adaptado? Nenhum, se procurarmos responder previamente qual é o principal benefício e utilidade de um ponto de ônibus.

Seria o de permitir ao usuário identificar e se nutrir de conhecimento a respeito de algum produto de alguma empresa, antes que esse usuário pegue seu ônibus?

Ou seria garantir a integridade, segurança, salvaguarda, acessibilidade física e acesso a informação das linhas de coletivos que  abastecem aquele habitáculo?

Se você concordou com a segunda descrição, ótimo, há esperança de conseguirmos construir uma cidade e um país. Mas se ficou tocado pela primeira afirmação, e acha que é possível conciliar as necessidades e usos, saibamos que para essa parceria se estabelecer em harmonia, o principal uso de um ponto de ônibus (pegar ônibus) não pode ficar subordinado hierarquicamente ao segundo (promover publicidade).

Poderia continuar a desenvolver minha análise crítica sobre os pontos de ônibus de São Paulo, criticando a escolha do desaigner carioca (Guto Índio da Costa), para a concepção desse projeto de natureza genuinamente paulista. Ou me ater à preferencia estética utilizada na criação dos 4 modelos distintos de design das peças do mobiliário, onde forma não é função. Mas deixo esse tópico para outro texto e me apoio no momento nas considerações do arquiteto Lúcio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP no mesmo artigo já citado do Estadão (link para o artigo), intitulado “O ‘pai’ dos pontos da cidade”. Ele questiona a maneira como o escritório de Guto foi escolhido: "Um concurso seria mais correto, em vez de deixar para uma concessionária a definição." A concessionária Otima explica que contratou Guto por "sua vasta experiência no design de mobiliários urbanos, desde o projeto do Rio Cidade Leblon, de 1993, até o de quiosques e restaurantes de Copacabana". Escolha só não menos autoritária que as decisões sobre os chefes de Estado do Brasil entre 1965 e 83.

Acho que o Brasil é de todas e todos nós e mesmo que pareça não haver um pertencimento direto do desaigner carioca no intrincado meio ambiente paulistano, ainda sim sua disciplina como profissional capacitado, pode suprir esses dilemas, com uma adequada e exaustiva pesquisa de campo. Além disso, o artigo do Estadão nos brinda com a seguinte tentativa de justificativa do desaigner, sobre sua escolha: "Sou carioca por teimosia, porque venho para São Paulo (onde estão seus principais clientes) pelo menos uma vez por semana.", "Já tomei bastante ônibus em São Paulo, sei que não é uma tarefa fácil." e "A gente entende de gente, de como as pessoas se relacionam com as coisas.".

Também não vou me aprofundar na subjetividade da escolha em dividir São Paulo em quatro temas distintos para criar os estilos dos desenhos dos mobiliários (caos estruturado, minimalista com ginga, high tech e brutalista). Deixo isso também para outra ocasião (para vocês verem que o tema rende).

Vou esmiuçar a cousa por outra seara.
E antes mesmo de apresentá-la, digo por que a elegi o motivo principal: os novos abrigos de ônibus de São Paulo são ruins porque não cumprem adequadamente seu objetivo principal: Servir adequadamente as necessidades de que espera um coletivo

Como eu sei disso? Empiricamente. Conto-lhes.

Conversando com um amigo, certo dia nublado no centro de São Paulo, divagávamos sobre os novos pontos de ônibus. Iniciávamos a prosa sobre como eles não pareciam resolver as arestas já existentes no projeto anterior. Como nossa conversa ficou demasiadamente abstrata, decidimos então ir até um exemplar do dito novo ponto, localizado em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, na Praça Ramos de Azevedo.
Chegando lá, São Pedro deu o ar da graça e nos despejou uma boa carga de água do céu para o topo da cabeça. No ímpeto de não voltarmos encharcados para a firma, corremos para o ponto novo. Eram 14h e o abrigo se encontrava lotado. O ponto, uma unidade de apenas um módulo não parecia contemplar o volume de pessoas que ali se acotovelavam à espera do coletivo. Basta observemos a dilatada (e necessária) largura das faixas de pedestre naqueles cruzamentos que rodeiam o abrigo. Dimensionadas para um alto fluxo de pessoas, me fez imaginar que o ou a responsável por delegar a aplicação de somente um módulo do novo ponto por ali, ignorou a realidade local.

A surpresa seguinte veio por meio de uma carregada e arteira goteira que pendia entre as duas laminas de vidro transparente que servem de teto do lugar. Podemos pensar que os duros anos de prestação de serviço daquele bravo guerreiro do mobiliário urbano teriam calejado o pobre recinto. Como se trata de uma estrutura jovem e recém saída do forno, podemos colocar esse evento naquilo que se tornará a extensa e parruda lista de falhas projetuais desse projeto.

Observando uma senhora que, não muito exitosa desviava dessa grande goteira, pescoceime por entre as demais cabeças espremidas e percebi que somente duas pessoas estavam sentadas. O restante de pé e sem sorriso. Democracia? Me pareceu na verdade a insipiência de um projeto que não premeditou que idosos e pessoas em situação mais frágil não foram contabilizadas como sentantes.

Na ação desta minha esgueirada para o lado, aproveitei para checar a barra da minha calca. Seguia ensopada, próxima de atingir o nível dilúvio. As calças “vizinhas” seguiam pelo mesmo caminho. A estrutura que recobria a retaguarda do ponto, de vidro não inteiriço até o chão, não eximia os usuários do spray de água vindo por baixo. E como não bastava só o desconforto da tentativa de me manter seco resolvi consultar o itinerário dos ônibus, afinal, essa poderia ser uma necessidade minha num ambiente como aquele. Nova surpresa ao percebeu que, para descobrir o nome dos busões que por ali navegavam, eu precisaria me aventurar pela chuva. O material de divulgação dos itinerários situava-se  fixado na face externa de uma coluna de sustentação da estrutura toda. Enquanto me confrontava com a ideia de ficar ensopado durante essa tarefa, percebi que me fitava, altivo e senhor de si, a pouco centímetros de mim, soberbo e grandioso, o painel de dois metros de metal e vidro do totem de divulgação da publicidade. Oras, o que pode ser mais importante num ponto de ônibus que a publicidade? Porque então não deveria o filet-mignon do ponto ficar em tal privilegiada área de leitura? Uma leitura fácil e “não molhada”, diga-se. E porque mereceria, o nosso insosso e maltrapilho itinerário dos coletivos figurar no belo totem de aço? Justo o itinerário, com seus textos tão repetitivos, com números e palavras desinteressantes? Que ponham o itinerário exposto ao luar, às estrelas e à chuva para refrescá-lo de tempos em tempos. Diga-se, que depois de pequena meditação, me afortunei chuva afora para ver o grafismo da lista. E mesmo confrontando a torrente de água que caía, consegui perceber que o tradicional canto-de-adesivo-arrancado-por-unha, já constava como item de série. Claro que não vamos mudar o hábito de cutucarmos adesivos públicos da noite para o dia. Mas bem que poderíamos mudar a inteligência em fazer coisas cutucais em espaço onde elas precisam durar. Concluída essa excursão, que para mim e meu camarada não terminou no segundo episódio chamado ida-para-casa-encharcado(a)-e-sacolejando, ficamos com a impressão que tínhamos as análises iniciais: esse ponto de ônibus não foi projetado para quem pega ônibus.

Visto que a vivência com o novo ponto de ônibus, não começou bem, resolvi me aprofundar na coisa.
E nesse processo saudável de identificar rebarbas do projeto, percebi andando por outros pontos, como o da esquina da Praça Charles Miller com a Avenida Pacaembu,  que a forma como o vidro foi empregado na estrutura não só permitia fácil depredação do mobiliário urbano, como também não protege do frio, do vento, da chuva e, principalmente, do sol. Qual não foi minha surpresa ao ler de novo no artigo do Estadão, o seguinte trecho: “Guto teve de ouvir poucas e boas. Quando os pontos começaram a ser instalados, em fevereiro, a reclamação era de que o modelo todo de vidro deixava os usuários expostos ao sol. "Chegaram a me questionar no Twitter. Mas desde o início estava prevista a instalação de uma proteção anti-ultra-violeta e anti-infravermelho que reduz brutalmente a radiação solar, deixando passar apenas 3% de luz e calor", explica. "As pessoas precisam entender que obra é assim mesmo, os pontos que não têm isso ainda não foram completamente finalizados." .

Agora reflitamos: Se estava previsto no memorial descritivo do projeto o uso dessa proteção, porque não foram aplicadas nos pontos já entregues? E o que justificaria primeiro instalar os pontos para depois aplicar a película? E o que passa na cabeça de alguém achar que está tudo bem fazer tardiamente um remendo no projeto, mandando às favas os diversos usuários e usuários que já foram acometidos pelo sol a pino? Claro, os mais acintosos vão imaginar que faltou sensibilidade dos desenvolvedores por não preverem que o Brasil, país tropical, tem seu companheiro Sol um sorridente e gentil emissor de calor para nossa terrinha. No artigo, o desaigner arremata: “As pessoas precisam entender que obra é assim mesmo(...)”. Traduzindo: Uma belo de um amadorismo profissional, se me permitem essa contradição no termo. Esse tipo de abordagem abre margem para que os desaigners possam ser questionados como principiantes, sugerindo que o Brasil é um país onde podemos ter espaço para esse tipo de amadorismo. Que o Brasil é um país onde podemos ser principiantes, pois vão entender que é assim que fazemos para  descobrir que o resultado do que fizemos não atingiu a excelência que deveria alcançar.
Eu poderia ficar aqui horas e horas questionando o que esse artigo expõe de pior para os usuários de ônibus e para os designers. Poderia escrever uma tese de mestrado sobre como os usuários de ônibus foram desqualificados pelas afirmações expostas no artigo.

Digo nesse momento que não daremos ao projeto do Indio da Costa e da concessionária Ótima, nosso salvo conduto. Ao contrário. Inicio aqui uma périplo que visa, no seu aspecto mais humano, requalificar e repensar mudanças nesses pontos de ônibus que nos permitam um novo olhar de pertencimento e satisfação com esse mobiliário urbano. Uma jornada que, no seu lado mais duro e incisivo, buscará  expor as incongruências do formato da concepção desse projeto. Um modelo que me parece não ter usado a sabedoria e conhecimento do desaigner, no processo de inclusão do usuário como parte de sua elaboração. Estamos em um momento que os e as desaigners precisam ser mais consequentes e mais críticos sobre o formato como pensam a criação do patrimônio público. Construir mais pertencimento em nossas cidades é também aumentar o sentimento de respeito com o bem público, passando a respeitá-lo com mais entusiasmo. Repensar como faremos novos projetos como esse, sem que eles se tornem figuras irreconhecíveis de seu propósito, criando mais mazelas do que soluções.

Vocês não gostariam também de dar seus pitacos sobre São Paulo?

Manda bala!


Desde já, gostaria de propor nova reflexão sobre os abrigos de ônibus. Desta vez, nos incitando a sermos programáticos e opinativos, sugerindo possíveis melhorias e alterações de projeto e pensando formas de pressionar o poder público municipal a efetuar essas mudanças.

E para quem interessar, segue outro filão que merece pousarmos nosso olhar crítico. Que parece opinarmos sobre a duvidosa, e por que não, tacanha intervenção da vitrine rodeando o chafariz da Praça Julio de Mesquita, na esquina da rua Barão de Limeira com a Rua Vitória, no centro de São Paulo. Segue link para vocês conheceram essa aberração.

forte abraço a todas e todos...

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