Bem legal
O design saiu da esfera apenas estética e hoje está no centro da estratégia das empresas. O resultado: crescimento rápido
Por Katia Simões
Com fábrica em Santa Bárbara d'Oeste, a Poly play quadruplicou o seu faturamento em três anos fazendo cabides. Em São Carlos, a Animalltag conseguiu praticamente multiplicar suas unidades vendidas por quatro, só que de um ano para o outro, e com um brinco de boi. Mas não se trata de um brinco qualquer. E nem de cabides comuns. O que está por trás do crescimento vertiginoso dessas duas pequenas empresas do interior paulista é uma ferramenta poderosa: o design.
Os produtos arrojados que vêm desenhando impressionam não apenas pela beleza, como também pela funcionalidade. Os cabides da Poly Play não deformam camisetas e facilitam a passagem de roupas. O brinco da Animalltag, que serve para identificar o rebanho por radiofrequência, gira para não enganchar na cerca. Leia MaisNebulização com estilo
Pesquisa sobre Impacto do Design no Desempenho das EmpresasPoly Play, Animalltag e outras três empresas que você conhecerá nesta reportagem (Freso, Ecobrisa e Flying Skateboards) são exemplos de como o design hoje ocupa uma posição central em negócios (realmente) bem-sucedidos. "A diferença em relação à moda do design nos anos 1990 é que agora empresas de todos os portes começam a vê-lo como um processo estratégico, que deve acompanhar todas as etapas da produção, e não apenas como maquiagem para deixar o produto esteticamente mais atraente", afirma Ellen Kiss, coordenadora do curso de pós-graduação em Design Estratégico da ESPM. "Sob a nova ótica, o grande desafio é tornar o produto viável economicamente, desejável sob o ponto de vista do usuário e tecnologicamente praticável."
UM PROJETO ILUMINADO
Quando as primeiras casas de boneca, escorregadores e gangorras lançados pela Freso, indústria de São José dos Pinhais (PR), chegaram ao mercado, causaram espanto. Fugiam do padrão da época, fim dos anos 1990, pelo colorido forte e pelo material de que eram fabricados: polietileno linear, conhecido como plástico rígido, superresistente e prático, capaz de ser usado ao ar livre e lavado com água e sabão. eram 11 brinquedos, fabricados a partir de um único molde."Como a máquina para fazer as peças era italiana, busquei a ajuda de um escritório de design local para criar os primeiros produtos. Fui pioneiro no Brasil", afirma Luis Illanes, 49 anos, sócio da Freso. "Logo conferi na prática o valor do bom design, que multiplica o portfólio de produtos apenas com pequenas modificações."
Desde então, a Freso destina 10% do seu faturamento anual, cerca de R$ 12 milhões, para investimento em design. Com o apoio do Centro Paraná de Design, que colaborou na seleção dos escritórios especializados, a empresa passou a fabricar, também, objetos de decoração. "tínhamos o know-how de produção, faltava desenvolver um móvel que somasse desenho e funcionalidade", observa Illanes."Aplicamos R$ 20 mil no projeto inicial."
Hoje, a Freso conta com 52 produtos em linha, entre brinquedos, móveis e objetos de decoração, 70% deles assinados por designers. A receita permite à empresa assistir a um crescimento das vendas entre 30% e 35% ao ano. Um dos destaques da marca é a poltrona iluminada Joker, que custa R$ 420. Criada pela Paradesign, de Santa Catarina, a peça ganhou o primeiro lugar no Prêmio de Design do museu da Casa Brasileira, em 2003.
Aos poucos, a Freso foi diversificando o time de parceiros e atualmente são os próprios designers que procuram a empresa para novos projetos, o que garante uma média anual de seis lançamentos."No início, é difícil trabalhar com esses profissionais, porque eles tratam a criação como um filho e nem sempre é possível respeitar 100% do projeto quando se fala em escala", afirma illanes. "À medida que as ideias se afinam, os resultados aparecem, porque o design agrega identidade à peça".
LINHA DE CRÉDITO
Estudo realizado no final de 2009 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pela Associação Brasileira das Empresas de Design e FGV Projetos, envolvendo dez setores da indústria brasileira, constatou que 84% das empresas que aplicaram em design de produto nos últimos três anos aumentaram a competitividade, 82% alcançaram maior participação no mercado, 68,5% ganharam lucratividade, 76,5% cresceram em faturamento e 68% reduziram custos. "Com essa evolução, pela primeira vez a indústria nacional tem condições de competir de igual para igual com os produtos estrangeiros e o país pode ampliar sua pauta de exportações", declara Sérgio Costa, gerente geral de negócios da Apex-Brasil. Com esse objetivo, o BNDES disponibilizou em novembro de 2009 uma linha de crédito para empresas que obtêm faturamento anual de até R$ 60 milhões investirem em design de produto e de embalagens. Os primeiros empréstimos serão liberados até junho deste ano. Paralelamente, o Ministério da Cultura passou a considerar o design como manifestação cultural, reservando recursos para tornar o setor mais competitivo no mercado externo.
RADICAL E SUSTENTÁVEL
Quem pratica skate sabe que o segredo está no shape, a prancha sobre a qual o skatista apoia os pés para fazer suas manobras. Coube ao designer Fabrício da Costa criar um produto de ponta para a Flying, fabricante de shapes para terceiros, aberta em 1999, em Campo Largo (PR). Disposta a lançar a própria marca, a empresa recorreu, em 2003, ao Centro de Design do Paraná.
Esportista radical, Costa concebeu um shape mais resistente, leve e eficiente. No lugar de madeira de marfim, em extinção, ele optou por araucária reflorestada, pínus argentino e bambu. "Gastamos cerca de R$ 15 mil entre o projeto e os protótipos, feitos com madeira certificada e resinas ecológicas", afirma Antonio Portes, 51 anos, sócio da Flying. A produção saltou de 170 shapes por dia nos quatro primeiros anos de mercado para 550 unidades no início de 2010, com preço 20% menor que os importados.
Para assegurar a preferência dos esportistas, a Flying intensificou seu ritmo de lançamentos. A cada 60 dias praticamente renova seus 40 modelos, divididos em dez linhas. O investimento em design consome entre 3% e 5% do faturamento anual, cerca de R$ 4 milhões. "Tenho consciência de que esse é um dinheiro bem aplicado, desde que projeto e produto falem a mesma língua", diz Portes. "Batemos cabeça três anos até deslanchar no mercado com um shape bonito, funcional e único".
DESIGN ACESSÍVEL
A chegada das pequenas e médias empresas a um mundo até então restrito às grandes indústrias e ao universo do luxo tem levado os profissionais da área a mudar a forma de trabalhar, diminuindo custos, firmando parcerias com universidades e entidades de classe e, até mesmo, repensando a escolha da matéria-prima. "Os designers tiveram de aprender que não bastava conceber um produto para ser premiado e, sim, algo que atendesse às necessidades do consumidor e coubesse no orçamento do fabricante", afirma Levi Girardi, 39 anos, sócio da Questto Design. Há 17 anos no mercado, a agência já desenvolveu 400 projetos, 75% deles para pequenas e médias empresas.
Outro aprendizado, de acordo com os próprios profissionais, foi trabalhar o design para artigos populares. Isso porque, com o aumento do poder aquisitivo das classes C e D, cresceu a demanda por produtos ao mesmo tempo atraentes, funcionais e baratos. Um bom exemplo é a Lavadora SuperPop, fabricada pela Mueller Eletrodomésticos. Compacta e com embalagem 40% menor que as convencionais, a máquina ocupa menos espaço no estoque. Além disso, pode ser transportada no porta-malas de um carro. "Foi um projeto que teve impacto de redução de custos em toda a cadeia", afirma Gustavo Senna Chelles, 41 anos, sócio da Chelles & Haysashi Design, responsável pelo projeto.
A REINVENÇÃO DO CABIDE
Um cabide que não deforma camisetas, o Zig Zag; outro que dribla a falta de espaço no varal e facilita a passagem das roupas, o Quará. Esses são dois dos produtos com design premiado lançados pela Poly Play, empresa nascida em 2004, na incubadora de Santa Bárbara d'Oeste (SP). Medalhas de bronze em duas edições do Idea Brasil Design, os lançamentos abriram as portas de importantes redes de varejo do país, como a Tok & Stok e a Etna. "No nosso caso, design premiado virou sinônimo de bons negócios, pois até então não tínhamos fechado nenhum pedido fora dos supermercados", diz Marcos Toma, 40 anos, sócio da Poly Play.
Fugir do lugar-comum em um mercado de produtos triviais foi a intenção desde o começo. "Abrimos a empresa com um único produto: um prendedor de roupas colorido", lembra Toma. "Insistimos por quase três anos nessa receita, por teimosia." Foi com a ajuda do Instituto ParqTec de Design, de São Carlos, que a Poly Play concebeu os primeiros artigos com funcionalidade e apelo visual: dois suportes de varal e a linha de prendedores de roupa divertidos. Cada projeto custou R$ 15 mil e teve 50% de subsídio da incubadora.
Hoje, dos 18 produtos da marca, dez são criados por designers. "O bom projeto rompe barreiras, alavanca vendas e agrega valor ao produto. Enquanto a concorrência vende cinco cabides por R$ 1, o nosso custa R$ 4,99 o par. O faturamento subiu de R$ 250 mil para R$ 1 milhão em pouco mais de três anos."
Em média, um projeto de design de produto pode levar de seis meses a dois anos para ser concluído. Os custos começam a partir de R$ 15 mil e podem chegar à casa do milhão, somando-se criação, desenho, moldes, protótipos e a primeira produção. Hoje, porém, já é possível dividir esse investimento com entidades como o Sebrae -, que, por meio do SebraeTec chega a subsidiar até 80% do investimento total. Ou, ainda, ter acesso facilitado a linhas de crédito de fomento à inovação, como o fundo Finep e o Cartão BNDES.
BRINCO DE OURO
Mais de 800 mil cabeças do rebanho bovino brasileiro já exibem nos pastos um brinco especial, de formas arredondadas. É um rastreador, que serve para identificar os animais por radiofrequência. Fabricado pela Animalltag, com sede em São Carlos, interior de São Paulo, o brinco nasceu em 2000, sem preocupações com a aparência, apenas com a tecnologia. Há pouco mais de um ano, porém, tomou um banho de design. O resultado foi um salto nas vendas, que subiram de 40 mil para 150 mil unidades mensais, o primeiro lugar no prêmio IF Design Awards 2009, o Oscar do design internacional, e a terceira colocação no prêmio de design do Museu da Casa Brasileira.
"Inicialmente, nós investimos na tecnologia e não nos demos conta de que o cliente pagaria R$ 2 mil por um equipamento pesado, quadradão e de difícil manuseio", afirma o sócio Carlos Gustavo Machado, 37 anos. "Foram os próprios fregueses que nos mostraram a necessidade de cuidar do visual." O projeto, desenvolvido pela Questto Design, no valor de R$ 20 mil, não só mudou a cara do produto, como melhorou a sua usabilidade e otimizou a produção, com a redução das etapas de montagem. Com o novo projeto, o brinco tornou-se mais resistente, sofre menos com a ação da poeira e das chuvas, e ganhou giro livre, o que diminuiu os índices de perda de 5% para 1%, segundo testes feitos pelo governo colombiano, importador do produto.
MUITA CONVERSA
O preço do projeto, entretanto, não deve ser o único critério na hora de selecionar o escritório de design. O importante é observar o portfólio dos profissionais envolvidos e ver se o trabalho oferecido se adapta às necessidades do negócio. "Nem sempre o design premiado é o que ajuda a vender um artigo. Muitas vezes, o projeto de um produto que nos permite viver melhor no dia a dia não passaria na primeira fase de um concurso", afirma Aguinaldo dos Santos, doutor em design pela Politécnica de Milão e coordenador do Núcleo de Design & Sustentabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Quanto mais o designer souber da trajetória da empresa, seus valores e objetivos, mais chance ele terá de conceber um produto com a identidade da marca.
Um bom projeto de design também não pode ignorar o descarte do produto quando seu ciclo de vida for encerrado, ou, ainda, ser responsável pela sua saída do mercado pela escassez de matéria-prima, alto custo de produção ou falta de serviços de manutenção. "Muito se fala sobre sustentabilidade, mas essa questão ainda precisa ser muito trabalhada na concepção dos produtos pela maioria das empresas", afirma Santos. "Exceção feita àquelas voltadas à exportação e às que atuam em mercados altamente competitivos, que já encaram a questão ambiental como um critério fundamental e não apenas como uma opção ideológica". Na visão do professor da UFPR, quem assimilar essa cultura tende a deslanchar rapidamente dentro e fora do país.
NOVOS VENTOS PARA O NEGÓCIO
Foi só quando um cliente chegou à loja de fábrica da Ecobrisa, em Campinas (SP), para devolver o umidificador de ar porque a esposa achou o produto feio, que o empresário Paulo Gabarra, 52 anos, se deu conta de que tinha um grande problema para resolver. Engenheiro de formação, ele desenvolveu um aparelho de climatização tecnicamente ótimo, de baixo consumo de energia e ecologicamente correto (pois não agride a camada de ozônio). Esqueceu-se, entretanto, de cuidar do visual. "Na minha cabeça, o mais importante eram os atributos e não a forma do produto", afirma Gabarra.
Diante da rejeição do consumidor, resolveu rever sua estratégia. Encomendou um estudo à agência Cacau Design. O projeto consumiu R$ 15 mil e resultou em uma linha de 12 climatizadores para uso doméstico e para espaços públicos, com traços harmoniosos, tamanhos diferenciados e oito variações de cores. "Com a reestilização, feita em 2006, as vendas quadruplicaram, a produção atingiu uma média de mil unidades mensais e o faturamento somou R$ 15 milhões em 2009", diz Gabarra. Lição aprendida, hoje a Ecobrisa tem três produtos em gestação, todos com a ajuda de um escritório de design.