sexta-feira, 28 de junho de 2013
Mottainai
A primeira vez que ouvi esta expressão foi numa pizzaria em Milão, anos atrás. Eu estava triste por não conseguir comer aquele último pedaço da pizza carcioffi, e lamentei. Ao meu lado estava um amigo de origem japonesa que me disse: “Na cultura nipônica há uma expressão para este seu sentimento - é Mottainai”. As explicações que vieram a seguir me deixaram encantada. Anotei a palavra num guardanapo e levei o último pedaço da pizza para o hotel.
Quantas vezes lamentamos as sobras de alimento que vão para o lixo, o desperdício, o consumo desnecessário ou exagerado de produtos, recursos e energia? Isto é Mottainai.
Mottainai é uma expressão japonesa que denota a atitude de não desperdiçarmos qualquer tipo de produto, recurso físico ou humano e acima de não despediçarmos nossas vidas. Não há uma tradução exata para outras línguas: “Mottai” significa a essência ou real valor de alguma coisa e o negativo “nai” significa “não”.
Algumas definições para Mottainai:
"Mottainai é uma forma de dizer obrigado a alguém que te ajudou"
"Mottainai é o sentimento de saudade de coisas que foram perdidas"
"Mottainai é uma pequena bondade que por vezes perde para o Mendokusai (tarefas chatas)"
"Uma mentalidade de apreciar todas as coisas deste mundo e utilizá-las sem desperdício."
Japan Junior Chamber (Global Mottainai Movement)
"Ela tem significado amplo. Ao mesmo tempo em que expressa um profundo agradecimento pela vida e por tudo o que se tem, significa também não ao desperdício e a valorização dos recursos. Mottainai significa, então, uma maneira mais humana de cuidar e de se relacionar com o planeta e com a vida. Uma filosofia que norteia atitudes vitoriosas de milhares de pessoas no mundo todo."
Chieko Aoki (Empresária da Blue Tree Hotels)
"Certas palavras japonesas não têm tradução em português. Por mais que nos esforcemos, o máximo que conseguimos é fazer comparações, dando um sentido a elas. Mottainai é uma dessas palavras, mas com profundo significado. Tudo o que poderia ser poupado ou preservado - e por qualquer razão deixa de ser - é Mottainai."
"Mottainai é um modo de vida, uma atitude consciente de cuidado com tudo que nos cerca.
Reduzir, Reutilizar, Reciclar + Respeitar. Este é o 3R+R que conceitua o Mottainai."
Hideaki Iijima (Empresário do Soho Hair International)
"Mottainai! A expressão da língua japonesa pode ser interpretada como “que desperdício!”.
Literalmente, pode ser compreendida como “faltando com a dignidade do objeto”, ou seja, parte do princípio de que se uma pessoa não é capaz de aproveitar ao máximo o uso de algo, não deveria nem mesmo possuí-lo, pois simplesmente não merece o direito ético ao material. Trata-se de uma expressão penosa, de tristeza, que denota a negação do vínculo entre todas as coisas." (Maria Clara Takaki, pesquisadora do Ideia Sustentável)
Mottainai, enfim, é um caminho seguro para o design do futuro.
Leiam mais sobre o Mottainai aqui.
Curtam Mottainai no Facebook!
Este artigo foi publicado originalmente em 18 de julho 2010.
sábado, 22 de junho de 2013
Para quê criar produtos?
Caros leitores do Falando
Andei meio sumida por aqui devido à falta de tempo com muitos projetos e viagens, até receber uma nova convocação do Dan Nishiwaki para postar algo. Muito bem: como meu artigo 'Designer X Projetista' continua no topo da lista Top 10 deste blog e rendeu muitas discussões (e comentários totalmente desfocados do assunto original), decidi voltar às polêmicas que adoro.
Mas antes de escrever algo novo quero contribuir com a discussão do texto 'Consumismo, obsolescência, design e o mito da sustentabilidade', do colega Rafael Morgan. Os questionamentos a respeito da ética e da responsabilidade do designer na criação de novos produtos são legítimos e ocorrem desde o nascimento da 'sociedade de consumo'. A cada período histórico a sociedade tem novos desafios a cumprir rumo à sobrevivência do planeta e das gerações futuras. Houve períodos em que a humanidade se mobilizou para registrar sua história, para conter doenças, para produzir ou acabar com as guerras. Hoje vemos nosso planeta ameaçado, e portanto a pauta da sociedade contemporânea é preservar recursos. Ponto final.
Na minha humilde opinião (e do alto dos meus 30 anos de carreira como designer), essa discussão toda sobre o consumo nocivo é bobagem porque cada um de nós tem seus valores, desejos e necessidades (principalmente aqueles que agora participam de uma economia emergente e podem realizar seus sonhos de conforto e status). O designer não tem a responsabilidade de catequizar a sociedade, impondo padrões de consumo. O papel do designer é contribuir para que a roda da economia gire de forma eficiente, criando produtos sintonizados com seu tempo e, como a questão ambiental é importante, que seja contemplada em seus projetos.
Para o colega Artur, que perguntou pra que criar? porque ser designer, se já existem cadeiras, mesas, tudo? eu respondo:
1. Porque vivemos num mundo material (às vezes materialista), e nos acostumamos com a funcionalidade e tecnologia dos objetos para facilitar nossas vidas. Aqui entra o trabalho do designer.
2. Porque precisamos de beleza para tornar nossas vidas suportáveis e prazerosas (até os Shakers, que produziam móveis e ferramentas para seu próprio uso baseados nos preceitos da simplicidade, sem elementos supérfluos ou decorativos, buscaram a beleza através da perfeição, pureza, ordem, durabilidade, funcionalidade e utilidade). Aqui entra o trabalho de designer.
3. Porque vivemos neste mundo desenhado a partir da Revolução Comercial, onde as sociedades se desenvolvem através da compra e venda de produtos. Aqui entra o trabalho de designer.
Abaixo reproduzo um texto que escrevi em 2008, mas que continua atual:
Uma designer em crise
Ao longo da minha vida tenho buscado, paralelamente, desenvolver uma carreira bem sucedida e viver com pouco. Tendo escolhido o Design como forma de expressão e meio de vida, uma carreira bem sucedida significa criar produtos que despertem no consumidor o desejo de possuí-los. E viver com pouco significa evitar o desperdício e exercitar a simplicidade.
Então, não é um enorme contra-senso atuar como Designer e cultivar o desapego? Durante anos me senti confusa com esta questão. Afinal, minha função na sociedade é estimular o consumo e até criar necessidades inexistentes.
Gandhi disse: “Precisamos SER a mudança que queremos VER no mundo”.
E SER é tão diferente das seduções trazidas pelo TER!
Numa visão mais pessimista, muitos enxergam apenas o lado nocivo da frenética busca por novidades. E neste cenário o designer assume o papel de vilão ao promover a febre de consumo que move mas destrói o planeta. Mas e a busca da beleza, do prazer e do conforto, onde fica?
Minha redenção começou quando descobri que, como designer ou consumidora, é possível “ser coerente”. Mais do que ser ecológica ou ser sustentável (não gosto de palavras da moda), ser coerente é reduzir o consumo, reciclar, reutilizar, reaproveitar, redesenhar... Infelizmente o mundo à nossa volta não é nada coerente. As sociedades conhecem o problema da emissão de gases poluentes, mas nos grandes centros urbanos milhares de pessoas mantêm um segundo veículo para o “dia do rodízio”. Todos conhecem a importância de economizar água, mas quando se trata de lavar o carro na calçada a resposta é “tô pagaaaaando...” E há também os consumidores “responsáveis” que abarrotam o armário com mimos ambientalmente corretos a fim de redimir sua consciência consumista.
O design de produtos tem a função de proporcionar conforto e comodidade, embora quase nunca questionemos profundamente seu impacto para o ambiente e a sociedade. Então, é função do designer questionar o impacto - negativo e positivo - gerado pelo produto que está projetando.
A partir da Revolução Industrial (que nos conduziu à idéia de que a beleza de um objeto depende de sua utilidade e eficiência) a relação homem/objeto vem mudando constantemente. Inúmeros produtos consagrados pelo tempo foram adaptados para finalidades que seus criadores jamais imaginaram, enquanto outros foram reinventados em novos materiais e tecnologias não disponíveis na época de sua criação. A obsolescência embutida em quase todos os produtos e a agressividade de alguns processos produtivos são fatores ainda ignorados e por isso mesmo devem estar na pauta de discussões de toda a sociedade cada vez mais ameaçada.
Mas o chamado “consumo consciente” vem alterando o conceito de beleza dos bens duráveis, que atualmente devem garantir um bom desempenho funcional, ser amigáveis, estar alinhados com o estilo de vida do público-alvo e ainda garantir a sustentabilidade econômica, ambiental e social.
Dizia um professor meu nos tempos de faculdade: “quanto melhor designer você for, menos desenhará”. É claro que demorei um pouco para entender e hoje concordo plenamente. Quando fica preso somente ao ato de desenhar, o designer deixa de pensar, planejar. Com o amadurecimento de nossa atividade no Brasil veremos designers cada vez mais engajados na produção de objetos inteligentes, comprometidos com o desenvolvimento sustentável e livres das crises de consciência.
Andei meio sumida por aqui devido à falta de tempo com muitos projetos e viagens, até receber uma nova convocação do Dan Nishiwaki para postar algo. Muito bem: como meu artigo 'Designer X Projetista' continua no topo da lista Top 10 deste blog e rendeu muitas discussões (e comentários totalmente desfocados do assunto original), decidi voltar às polêmicas que adoro.
Mas antes de escrever algo novo quero contribuir com a discussão do texto 'Consumismo, obsolescência, design e o mito da sustentabilidade', do colega Rafael Morgan. Os questionamentos a respeito da ética e da responsabilidade do designer na criação de novos produtos são legítimos e ocorrem desde o nascimento da 'sociedade de consumo'. A cada período histórico a sociedade tem novos desafios a cumprir rumo à sobrevivência do planeta e das gerações futuras. Houve períodos em que a humanidade se mobilizou para registrar sua história, para conter doenças, para produzir ou acabar com as guerras. Hoje vemos nosso planeta ameaçado, e portanto a pauta da sociedade contemporânea é preservar recursos. Ponto final.
Na minha humilde opinião (e do alto dos meus 30 anos de carreira como designer), essa discussão toda sobre o consumo nocivo é bobagem porque cada um de nós tem seus valores, desejos e necessidades (principalmente aqueles que agora participam de uma economia emergente e podem realizar seus sonhos de conforto e status). O designer não tem a responsabilidade de catequizar a sociedade, impondo padrões de consumo. O papel do designer é contribuir para que a roda da economia gire de forma eficiente, criando produtos sintonizados com seu tempo e, como a questão ambiental é importante, que seja contemplada em seus projetos.
Para o colega Artur, que perguntou pra que criar? porque ser designer, se já existem cadeiras, mesas, tudo? eu respondo:
1. Porque vivemos num mundo material (às vezes materialista), e nos acostumamos com a funcionalidade e tecnologia dos objetos para facilitar nossas vidas. Aqui entra o trabalho do designer.
2. Porque precisamos de beleza para tornar nossas vidas suportáveis e prazerosas (até os Shakers, que produziam móveis e ferramentas para seu próprio uso baseados nos preceitos da simplicidade, sem elementos supérfluos ou decorativos, buscaram a beleza através da perfeição, pureza, ordem, durabilidade, funcionalidade e utilidade). Aqui entra o trabalho de designer.
3. Porque vivemos neste mundo desenhado a partir da Revolução Comercial, onde as sociedades se desenvolvem através da compra e venda de produtos. Aqui entra o trabalho de designer.
Abaixo reproduzo um texto que escrevi em 2008, mas que continua atual:
Uma designer em crise
Ao longo da minha vida tenho buscado, paralelamente, desenvolver uma carreira bem sucedida e viver com pouco. Tendo escolhido o Design como forma de expressão e meio de vida, uma carreira bem sucedida significa criar produtos que despertem no consumidor o desejo de possuí-los. E viver com pouco significa evitar o desperdício e exercitar a simplicidade.
Então, não é um enorme contra-senso atuar como Designer e cultivar o desapego? Durante anos me senti confusa com esta questão. Afinal, minha função na sociedade é estimular o consumo e até criar necessidades inexistentes.
Gandhi disse: “Precisamos SER a mudança que queremos VER no mundo”.
E SER é tão diferente das seduções trazidas pelo TER!
Numa visão mais pessimista, muitos enxergam apenas o lado nocivo da frenética busca por novidades. E neste cenário o designer assume o papel de vilão ao promover a febre de consumo que move mas destrói o planeta. Mas e a busca da beleza, do prazer e do conforto, onde fica?
Minha redenção começou quando descobri que, como designer ou consumidora, é possível “ser coerente”. Mais do que ser ecológica ou ser sustentável (não gosto de palavras da moda), ser coerente é reduzir o consumo, reciclar, reutilizar, reaproveitar, redesenhar... Infelizmente o mundo à nossa volta não é nada coerente. As sociedades conhecem o problema da emissão de gases poluentes, mas nos grandes centros urbanos milhares de pessoas mantêm um segundo veículo para o “dia do rodízio”. Todos conhecem a importância de economizar água, mas quando se trata de lavar o carro na calçada a resposta é “tô pagaaaaando...” E há também os consumidores “responsáveis” que abarrotam o armário com mimos ambientalmente corretos a fim de redimir sua consciência consumista.
O design de produtos tem a função de proporcionar conforto e comodidade, embora quase nunca questionemos profundamente seu impacto para o ambiente e a sociedade. Então, é função do designer questionar o impacto - negativo e positivo - gerado pelo produto que está projetando.
A partir da Revolução Industrial (que nos conduziu à idéia de que a beleza de um objeto depende de sua utilidade e eficiência) a relação homem/objeto vem mudando constantemente. Inúmeros produtos consagrados pelo tempo foram adaptados para finalidades que seus criadores jamais imaginaram, enquanto outros foram reinventados em novos materiais e tecnologias não disponíveis na época de sua criação. A obsolescência embutida em quase todos os produtos e a agressividade de alguns processos produtivos são fatores ainda ignorados e por isso mesmo devem estar na pauta de discussões de toda a sociedade cada vez mais ameaçada.
Mas o chamado “consumo consciente” vem alterando o conceito de beleza dos bens duráveis, que atualmente devem garantir um bom desempenho funcional, ser amigáveis, estar alinhados com o estilo de vida do público-alvo e ainda garantir a sustentabilidade econômica, ambiental e social.
Dizia um professor meu nos tempos de faculdade: “quanto melhor designer você for, menos desenhará”. É claro que demorei um pouco para entender e hoje concordo plenamente. Quando fica preso somente ao ato de desenhar, o designer deixa de pensar, planejar. Com o amadurecimento de nossa atividade no Brasil veremos designers cada vez mais engajados na produção de objetos inteligentes, comprometidos com o desenvolvimento sustentável e livres das crises de consciência.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
A que Ponto chegamos?
Saudações a todas e todos!
Estou inaugurando
meus textos por aqui. O Daniel Nishiwaki, quando me convidou para compor umas
frases neste blog, disse-me que este será um gramado livre para escrevinhadores
como eu darem os seus pitacos e provocadas aos desainers. Quando escutei a
palavra provocadas, me animei. Não que acho provocar a melhor forma de se fazer
entender. Mas o chacoalhar que uma boa provocada pode gerar, me pareceu a
medida certa para tentar tirar os desaigners de certa inércia crítica que acredito acometer a categoria.
Esse primeiro
apanhado de palavras está um pouco maior que o habitual do nosso blog. Peço assim um
pouco de paciência para encararmos essa tarefa.
Gostaria de
trazer como 1ª reflexão, a impressão de que nós desaigners não estamos
utilizando todo o nosso potencial crítico. Talvez seja a hora de rompermos
certo acordo tácito de só nos “metemos a besta” de opinar sobre a sociedade,
naquilo que acreditamos estar ligado diretamente ao conhecimento correlato à
profissão?
Estou cutucando
logo de entrada e me arriscando a ser caracterizado como um escrevinhador
ranheta, porque acredito que nós, desaigners
podemos emitir opinião sobre tudo aquilo
que nos cerca e, portanto, podemos falar também sobre a nossa cidade. É isso. O
que eu quero com os meus textos aqui é procurar investigar e pousar um olhar de
desaigner neste povoado conturbado e carregado de gangorras de “Amor-e-ódio”
chamado São Paulo. Esta cidade de onde comecei no mundo, e onde até o momento
estou, que entre uma paisagem mais dura
e doída, carrega junto seus centímetros de beleza.
E quais serão essas
tais temáticas urbanoides pulsantes e prontas para nos esbaldarmos em análises?
Para dar vazão a
essa torrente propositiva, gostaria de começar refletindo sobre os novos
abrigos de ônibus de São Paulo.
Recentemente
pudemos, aos pouco-devagar-e-sempre, perceber que os pontos de ônibus da
cidade estão mudando. Deram agora de chamar nossos queridos pontos de ônibus de abrigos, embora vamos descobrir que cumprir com a etimologia dessa
palavra, não será uma das “prática desse
novo nome.
Desde abril deste
ano, a empresa Otima, de capital misto nacional-estrangeiro, ganhou um
processo de concorrência para substituir os pontos de ônibus de São Paulo por
novos abrigos. Um dos benefícios que essa empresa terá nesse processo, é
controlar a concessão dos anúncios existentes nesses espaços.
Dessa maneira, a
lei Cidade Limpa encontrou uma brecha, ou criou uma, para viabilizar aos
pontos de ônibus (assim como os já emancipados relógios de rua) terem como uma
das suas razões sociais, divulgar publicidade. A empresa, segundo apurou o
jornal O Estado de São Paulo, em
matéria publicada no dia 15/04/2013 e em outra no dia 02/06/2013, tem como
compromisso, substituir 4 novos pontos de ônibus por dia e um total de 1800 até
o final do ano. Embora a minha análise
como desaigner/usuário do transporte público ainda não tenha chegado aos
méritos do projeto, de cara percebo a inversão de valores que a concepção desse
modelo nos traz como premissa.
Isso nos leva a
crer que a gestão anterior da prefeitura (sim, nós desaigners precisamos criar
a cultura de dar nomes aos bois) elegeu como uma das prioridades do memorial
descritivo do projeto restabelecer uma parceria publico-privada via o modelo de
uso da publicidade como mecanismo de geração de renda e lucro à empresa
mantenedora do espaço. Qual o problema de conciliar publicidade e um ponto de ônibus? E de encontrar um ponto
de equilíbrio entre o seu uso propriamente dito e esse outro uso adaptado?
Nenhum, se procurarmos responder previamente qual é o principal benefício e
utilidade de um ponto de ônibus.
Seria o de
permitir ao usuário identificar e se nutrir de conhecimento a respeito de algum
produto de alguma empresa, antes que esse usuário pegue seu ônibus?
Ou seria garantir
a integridade, segurança, salvaguarda, acessibilidade física e acesso a
informação das linhas de coletivos que
abastecem aquele habitáculo?
Se você concordou
com a segunda descrição, ótimo, há esperança de conseguirmos construir uma
cidade e um país. Mas se ficou tocado pela primeira afirmação, e acha que é
possível conciliar as necessidades e usos, saibamos que para essa parceria se
estabelecer em harmonia, o principal uso de um ponto de ônibus (pegar ônibus) não pode ficar subordinado
hierarquicamente ao segundo (promover publicidade).
Poderia continuar
a desenvolver minha análise crítica sobre os pontos de ônibus de São Paulo, criticando
a escolha do desaigner carioca (Guto Índio da Costa), para a concepção desse
projeto de natureza genuinamente paulista. Ou me ater à preferencia estética
utilizada na criação dos 4 modelos distintos de design das peças do mobiliário,
onde forma não é função. Mas deixo esse tópico para outro texto e me apoio no
momento nas considerações do arquiteto Lúcio Gomes Machado, professor da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP no mesmo artigo já citado do
Estadão (link para o artigo), intitulado “O ‘pai’ dos pontos da cidade”. Ele questiona a maneira como o escritório de
Guto foi escolhido: "Um concurso seria mais correto, em vez de deixar
para uma concessionária a definição." A concessionária Otima explica
que contratou Guto por "sua vasta experiência no design de mobiliários
urbanos, desde o projeto do Rio Cidade Leblon, de 1993, até o de quiosques e
restaurantes de Copacabana". Escolha só não menos autoritária que as
decisões sobre os chefes de Estado do Brasil entre 1965 e 83.
Acho que o Brasil
é de todas e todos nós e mesmo que pareça não haver um pertencimento direto do
desaigner carioca no intrincado meio ambiente paulistano, ainda sim sua
disciplina como profissional capacitado, pode suprir esses dilemas, com uma
adequada e exaustiva pesquisa de campo. Além disso, o artigo do Estadão nos
brinda com a seguinte tentativa de justificativa do desaigner, sobre sua
escolha: "Sou carioca por teimosia, porque venho para São Paulo (onde
estão seus principais clientes) pelo menos uma vez por semana.", "Já
tomei bastante ônibus em São Paulo, sei que não é uma tarefa fácil." e
"A gente entende de gente, de como as pessoas se relacionam com as
coisas.".
Também não vou me
aprofundar na subjetividade da escolha em dividir São Paulo em quatro temas
distintos para criar os estilos dos desenhos dos mobiliários (caos estruturado,
minimalista com ginga, high tech e brutalista). Deixo isso também para outra
ocasião (para vocês verem que o tema rende).
Vou esmiuçar a cousa
por outra seara.
E antes mesmo de
apresentá-la, digo por que a elegi o motivo principal: os novos abrigos de
ônibus de São Paulo são ruins porque não cumprem adequadamente seu objetivo
principal: Servir adequadamente as necessidades de que espera um coletivo
Como eu sei
disso? Empiricamente. Conto-lhes.
Conversando com
um amigo, certo dia nublado no centro de São Paulo, divagávamos sobre os novos
pontos de ônibus. Iniciávamos a prosa sobre como eles não pareciam resolver as
arestas já existentes no projeto anterior. Como nossa conversa ficou
demasiadamente abstrata, decidimos então ir até um exemplar do dito novo ponto,
localizado em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, na Praça Ramos de
Azevedo.
Chegando lá, São
Pedro deu o ar da graça e nos despejou uma boa carga de água do céu para o topo
da cabeça. No ímpeto de não voltarmos encharcados para a firma, corremos para o
ponto novo. Eram 14h e o abrigo se encontrava lotado. O ponto, uma unidade de
apenas um módulo não parecia contemplar o volume de pessoas que ali se
acotovelavam à espera do coletivo. Basta observemos a dilatada (e necessária)
largura das faixas de pedestre naqueles cruzamentos que rodeiam o abrigo.
Dimensionadas para um alto fluxo de pessoas, me fez imaginar que o ou a
responsável por delegar a aplicação de somente um módulo do novo ponto por ali,
ignorou a realidade local.
A surpresa
seguinte veio por meio de uma carregada e
arteira goteira que pendia entre as duas laminas de vidro transparente que
servem de teto do lugar. Podemos pensar que os duros anos de prestação de
serviço daquele bravo guerreiro do
mobiliário urbano teriam calejado o pobre recinto. Como se trata de uma
estrutura jovem e recém saída do forno, podemos colocar esse evento naquilo que
se tornará a extensa e parruda lista de falhas projetuais desse projeto.
Observando uma
senhora que, não muito exitosa desviava dessa grande goteira, pescoceime
por entre as demais cabeças espremidas e percebi que somente duas pessoas
estavam sentadas. O restante de pé e sem sorriso. Democracia? Me pareceu na
verdade a insipiência de um projeto que não premeditou que idosos e pessoas em
situação mais frágil não foram contabilizadas como sentantes.
Na ação desta
minha esgueirada para o lado, aproveitei para checar a barra da minha calca. Seguia
ensopada, próxima de atingir o nível
dilúvio. As calças “vizinhas” seguiam pelo mesmo caminho. A estrutura que
recobria a retaguarda do ponto, de vidro não inteiriço até o chão, não eximia
os usuários do spray de água vindo por baixo. E como não bastava só o
desconforto da tentativa de me manter seco resolvi consultar o itinerário dos
ônibus, afinal, essa poderia ser uma necessidade minha num ambiente como
aquele. Nova surpresa ao percebeu que, para descobrir o nome dos busões que por ali navegavam, eu
precisaria me aventurar pela chuva. O material de divulgação dos itinerários
situava-se fixado na face externa de uma
coluna de sustentação da estrutura toda. Enquanto me confrontava com a ideia de
ficar ensopado durante essa tarefa, percebi que me fitava, altivo e senhor de si, a
pouco centímetros de mim, soberbo e grandioso, o painel de dois metros de
metal e vidro do totem de divulgação da publicidade. Oras, o que pode ser mais
importante num ponto de ônibus que a publicidade? Porque então não deveria o filet-mignon
do ponto ficar em tal privilegiada área de leitura? Uma leitura fácil e “não
molhada”, diga-se. E porque mereceria, o nosso insosso e maltrapilho itinerário
dos coletivos figurar no belo totem de aço? Justo o itinerário, com seus textos
tão repetitivos, com números e palavras desinteressantes? Que ponham o itinerário
exposto ao luar, às estrelas e à chuva para refrescá-lo de tempos em tempos.
Diga-se, que depois de pequena meditação, me afortunei chuva afora para ver o
grafismo da lista. E mesmo confrontando a torrente de água que caía, consegui
perceber que o tradicional canto-de-adesivo-arrancado-por-unha,
já constava como item de série. Claro que não vamos mudar o hábito de
cutucarmos adesivos públicos da noite para o dia. Mas bem que poderíamos mudar
a inteligência em fazer coisas cutucais em espaço onde elas precisam durar.
Concluída essa excursão, que para mim e meu camarada não terminou no segundo
episódio chamado ida-para-casa-encharcado(a)-e-sacolejando,
ficamos com a impressão que tínhamos as análises iniciais: esse ponto de ônibus
não foi projetado para quem pega ônibus.
Visto que a
vivência com o novo ponto de ônibus, não começou bem, resolvi me aprofundar na
coisa.
E nesse processo
saudável de identificar rebarbas do projeto, percebi andando por outros pontos,
como o da esquina da Praça Charles Miller com a Avenida Pacaembu, que a forma como o vidro foi empregado na
estrutura não só permitia fácil depredação do mobiliário urbano, como também
não protege do frio, do vento, da chuva e, principalmente, do sol. Qual não foi
minha surpresa ao ler de novo no artigo do Estadão, o seguinte trecho: “Guto
teve de ouvir poucas e boas. Quando os pontos começaram a ser instalados, em
fevereiro, a reclamação era de que o modelo todo de vidro deixava os usuários
expostos ao sol. "Chegaram a me questionar no Twitter. Mas desde o início
estava prevista a instalação de uma proteção anti-ultra-violeta e
anti-infravermelho que reduz brutalmente a radiação solar, deixando passar
apenas 3% de luz e calor", explica. "As pessoas precisam entender que
obra é assim mesmo, os pontos que não têm isso ainda não foram completamente
finalizados." .
Agora reflitamos:
Se estava previsto no memorial descritivo do projeto o uso dessa proteção,
porque não foram aplicadas nos pontos já entregues? E o que justificaria
primeiro instalar os pontos para depois aplicar a película? E o que passa na
cabeça de alguém achar que está tudo bem fazer tardiamente um remendo no
projeto, mandando às favas os diversos usuários e usuários que já foram
acometidos pelo sol a pino? Claro, os mais acintosos vão imaginar que faltou sensibilidade
dos desenvolvedores por não preverem que o Brasil, país tropical, tem seu
companheiro Sol um sorridente e
gentil emissor de calor para nossa terrinha. No artigo, o desaigner arremata: “As
pessoas precisam entender que obra é assim mesmo(...)”. Traduzindo: Uma
belo de um amadorismo profissional, se me permitem essa contradição no termo.
Esse tipo de abordagem abre margem para que os desaigners possam ser
questionados como principiantes, sugerindo que o Brasil é um país onde podemos
ter espaço para esse tipo de amadorismo. Que o Brasil é um país onde podemos
ser principiantes, pois vão entender que é assim que fazemos para descobrir que o resultado do que fizemos não
atingiu a excelência que deveria alcançar.
Eu poderia ficar
aqui horas e horas questionando o que esse artigo expõe de pior para os usuários
de ônibus e para os designers. Poderia escrever uma tese de mestrado sobre como
os usuários de ônibus foram desqualificados pelas afirmações expostas no artigo.
Digo nesse
momento que não daremos ao projeto do Indio da Costa e da concessionária Ótima,
nosso salvo conduto. Ao contrário. Inicio aqui uma périplo que visa, no seu
aspecto mais humano, requalificar e repensar mudanças nesses pontos de ônibus
que nos permitam um novo olhar de pertencimento e satisfação com esse
mobiliário urbano. Uma jornada que, no seu lado mais duro e incisivo,
buscará expor as incongruências do formato
da concepção desse projeto. Um modelo que me parece não ter usado a sabedoria e
conhecimento do desaigner, no processo de inclusão do usuário como parte de sua
elaboração. Estamos em um momento que os e as desaigners precisam ser mais
consequentes e mais críticos sobre o formato como pensam a criação do
patrimônio público. Construir mais pertencimento em nossas cidades é também
aumentar o sentimento de respeito com o bem público, passando a respeitá-lo com
mais entusiasmo. Repensar como faremos novos projetos como esse, sem que eles
se tornem figuras irreconhecíveis de seu propósito, criando mais mazelas do que
soluções.
Vocês não gostariam também de dar seus pitacos sobre São Paulo?
Manda bala!
Desde já, gostaria de propor nova reflexão sobre os abrigos de ônibus. Desta vez, nos incitando a sermos programáticos e opinativos, sugerindo possíveis melhorias e alterações de projeto e pensando formas de pressionar o poder público municipal a efetuar essas mudanças.
E para quem interessar, segue outro filão que merece pousarmos nosso olhar crítico. Que parece opinarmos sobre a duvidosa, e por que não, tacanha intervenção da vitrine rodeando o chafariz da Praça Julio de Mesquita, na esquina da rua Barão de Limeira com a Rua Vitória, no centro de São Paulo. Segue link para vocês conheceram essa aberração.
forte abraço a todas e todos...
Vocês não gostariam também de dar seus pitacos sobre São Paulo?
Manda bala!
Desde já, gostaria de propor nova reflexão sobre os abrigos de ônibus. Desta vez, nos incitando a sermos programáticos e opinativos, sugerindo possíveis melhorias e alterações de projeto e pensando formas de pressionar o poder público municipal a efetuar essas mudanças.
E para quem interessar, segue outro filão que merece pousarmos nosso olhar crítico. Que parece opinarmos sobre a duvidosa, e por que não, tacanha intervenção da vitrine rodeando o chafariz da Praça Julio de Mesquita, na esquina da rua Barão de Limeira com a Rua Vitória, no centro de São Paulo. Segue link para vocês conheceram essa aberração.
forte abraço a todas e todos...
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